UM TRIBUTO A PADRE MARCOS TILLIA: A ESPERANÇA QUE VEM DOS CÉUS
Hoje são muitos médicos, advogados, pedagogos, padres e muitas outras profissões, frutos da ação simples e promissora de padre Marcos ao criar e manter um pensionato para os filhos dos povos do campo. São graduados, pós-graduados, mestres, doutores, filhos e filhas de pais pobres de Sento-Sé, que de certa forma receberam o apoio de Padre Marcos. Não devemos chorar sua morte, devemos agradecer a Deus pelos seus feitos, agradecer por ter nele um protetor, um cuidador de almas e de vidas, do seu jeito, da sua forma de ser, mas jamais esquecer que ele foi um ser humano de oração com ação. Ele fez a sua passagem em 01/04/2021. Fez seu último voo, não mais no seu avião, mas ele não precisava mais dele, pois outras asas o conduziram ao Reino do Pai, os anjos celestiais, que em coro entoavam cânticos de louvor ao Deus Pai, a São José e à Maria a mãe de Jesus e nossa mãe. O pássaro voador como sempre, agora traz esperança diretamente do Céu. Muito obrigado Padre Marcos pelo seu apostolado na Diocese de Juazeiro e especialmente em Sento-Sé.
Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. (Gênesis 12:1).
Padre Marcos disse: Senhor aqui estou! Ele saiu da sua terra, deixou sua família e veio para a terra que o Senhor lhe indicou. Assumiu sua missão nas terras áridas do Sertão. Mark Charles Tillia, esse é o seu nome de batismo. Nasceu no estado de Minnesota, nos Estados Unidos da América, em 07 de fevereiro de 1932. Ficou conhecido entre nós simplesmente como padre Marcos. Seu pai se chamava Charles Andrew Tillia, nascido em 1894 e sua mãe Clara Lake Tillia, nascida em 1900, faleceram nos anos 1980. Tinha cinco irmãos: Dorothea, a mais velha, morreu em 1971, o segundo irmão chamava-se Jack, falecido em 2009, este o ajudou muito financeiramente nas obras sociais mantidas em Sento-Sé, visitou Pe. Marcos no Brasil, algumas vezes. Seu terceiro irmão chamava-se Thomas, falecido em 1996. Sua irmã Mari Ann Von Ohlen faleceu em 2019. A única irmã dos seis filhos que ainda está viva é a caçula, Carolyn Tillia que mora nos Estados Unidos, hoje com 78 anos.
Em fevereiro de 2015, Carolyn veio a Sento-Sé na intenção de levar o irmão para os EUA, por já estar sofrendo do mal de Alzheimer. Embora sua memória já não lhe permitisse dialogar com ela, e até mesmo reconhecê-la, em alguns momentos, sua expressão e movimentos revelavam que ele não queria voltar à sua terra natal. Ela percebeu que seria uma agressão arrancá-lo do seu ambiente em que ele já vivia há quase 50 anos. Se fosse iria ser internado em uma das muitas casas de idosos existentes no seu país, isolando-o do mundo humano e natural, já que o mental a cada dia ia se isolando. Antes de sua fase do esquecimento ele tomou a decisão de não mais voltar à sua terra Pátria. Decidiu viver e morrer no Brasil como missionário, o que de fato aconteceu. Isso ficou registrado na fala de sua irmã Carolyn quando assim se expressou: “Em Sento-Sé está sua razão de ser. Eu sei que ele realmente ama sua vida no Brasil e não quer mais retornar aos Estados Unidos”.
Eu sou testemunha desse depoimento, pois em junho de 2013 eu o acompanhei em sua última viagem aos Estados Unidos e lá tive a certeza que ele não mais pertencia aquele lugar. O mesmo não conseguia dizer uma palavra em inglês, quando estávamos esperando o trem de Kansas City, sede de sua diocese, a Saint Louis, Missouri, ele perguntava que horas saia o ônibus para Salvador e repetia isso várias vezes. No restaurante quando fizemos o pedido do almoço para a garçonete, ele olhou pra mim sorrindo e disse: que legal ela sabe falar tão bem inglês, onde será que ela aprendeu? Naquele momento, na estação do trem, percebi os sinais do mal de Alzheimer que acometia o nosso padre Marcos. Na sua própria terra, não percebia que estava lá. E assim foram acontecendo outros episódios durante a viagem, como o de não ter reconhecido a Irma Mary Stenger, o padre Pascoal Stenger em um encontro que tivemos em Saint Louis.
A VIDA RELIGIOSA
Padre Marcos entrou no Mosteiro Dubuque, em Iowa, Estados Unidos como um Monge Trappist da Ordem Cisterciense com 19 anos de idade. Depois de alguns anos ele foi para uma área bem remota no estado de Missouri para começar um novo mosteiro. Lá existia apenas o terreno, então eles próprios construíram a residência, a igreja e outras obras. Padre Marcos foi ordenado lá em janeiro de 1959. Poucos anos mais tarde, ele tomou a decisão de deixar o mosteiro e viajar para o estado do Arizona e trabalhar como padre neste estado. Dizia que estava cansado do frio e médicos ou agentes de saúde, Sento-Sé tinha uma Igreja, mas não tinha padres. Exatamente padre Bernardo foi o primeiro vigário da paróquia de Sento-Sé, cuja capela de São José foi construída em 1719 e somente depois de 254 anos foi ter o seu primeiro vigário, padre Bernardo que chegou em 1966 e depois se juntaram a ele padre Marcos e padre Guilherme que chegaram em 1970 e as irmãs de Santa Maria, Irmã Jovita Stenger, irmã Vitoria Ewers, que chegaram em 1972 e depois irmã Mary Stenger que chegou em 1974. Elas deixaram Sento-Sé em 1986 para uma nova missão no Amazonas, permanecendo lá até 2003, quando retornaram para os Estados Unidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sento-Sé, não vai lembrar de Padre Marcos do seu estado atual de esquecimento, acometido pelo mal de Alzheimer. Sento-Sé vai lembrar de padre Marcos como o padre aviador, como o padre determinado que trazia dos céus a esperança para os pobres que viviam no esquecimento, como o padre que puxava as orelhas dos meninos que conversavam na igreja, como o padre de sermões curtos. Mas faz o sermão das montanhas, quando sobrevoava as serras do Mimoso, o sermão dos pobres do interior que ele trazia para estudar no pensionato que ele criou e mantinha, o sermão dos que clamavam por socorro, sem meios de transportes que pudessem salvar vidas. O sermão das viagens todos os anos para os Estados Unidos, em suas férias, para sair arrecadando fundos para os pobres de Sento-Sé, e investir na educação dos filhos dos trabalhadores pobres que de outra forma não tinham como coloca-los para estudar; e enfim, os sermões para arrecadar fundos e assim construir sua grande obra: o Colégio Sete de Setembro, a fim de promover a libertação da população que não tinha acesso ás matrículas no colégio existente, para comprar um avião maior para ajudar na missão no município de Sento-Sé, até então esquecido das políticas públicas, especialmente de educação e saúde, ação que assumiu desde sua instalação na Paróquia de São José, em Sento-Sé.
Padre Marcos não só trouxe o avião maior, mais foi testemunha das tratativas de D. Tomás para trazer para Sento-Sé as Irmãs de Santa Maria, para se dedicarem à saúde do município. Em 02 de maio 1972 chegam a Sento-Sé Irmã Vitória (nutricionista) e Irmã Jovita (enfermeira) que passam a voar com padre Marcos, cuidando da saúde do povo no município. Começa então uma longa caminhada e parceria, entre as irmãs de Santa Maria e padre Marcos, todos jovens, levando a esperança para o povo de Sento-Sé. Assim como não tinha queria viver em um lugar onde fosse mais quente, sendo este lugar o estado do Arizona e dez anos depois, ele veio para o Nordeste do Brasil, mas precisamente o Semiárido baiano, com o nosso clima bem quente e seco, aqui vivendo até o dia 01 de abril de 2021, quando foi arrebatado para sua morada final, e ficar junto ao Pai Celestial.
Com uma sólida formação sacerdotal, com Mestrado em Filosofia, em Roma, na Itália, padre Marcos deixou o sacerdócio, no território norte-americano, para servir na diocese de Juazeiro, Bahia. Com espírito missionário, e também ex-capelão da Guarda Nacional, nos Estados Unidos da América, ele chegou para sua missão na diocese de Juazeiro em 1969, a convite do então primeiro Bispo Diocesano D. Thomas Guilherme Murphy, C.S.R.S.
Após uma breve temporada em Juazeiro, mas precisamente na paróquia Santo Afonso, no bairro Castelo Branco, em 24 de abril de 1970 ele chegou a Sento Sé para a sua missão na paroquia de São José. Apesar da Paróquia de São José, em Sento-Sé – BA, ser uma das mais antigas do Brasil, Sento-Sé somente teve um vigário residente em 1967, sendo assumida por padre Bernardo Van Hoomissen, C.S.S.R. A Paróquia foi criada em 17 de agosto de 1741, conforme citação no livro Tombo da Arquidiocese de São Salvador – BA; folha 179. No livro de Estudos Josefinos Nº 01, do Centro de Estudos Josefino-Marelliano, pagina 10, assenta: “Entretanto, na primeira metade do século, surgiram consideráveis Igrejas dedicadas a São José. Na Bahia em 1741 criou-se a Paróquia de São José do Cento-Sé” (Citação fl 179). Dados do Centro de Espiritualidade Josefino Marelliana e do Historiador Pe. José Antonio Bertolin, OSJ.
Como primeiro vigário residente da paróquia de São José, padre Bernardo iniciou seu apostolado enfrentando vários desafios. Esses desafios foram assumidos por um time de missionários da congregação dos Redentoristas que vieram trabalhar na recém-criada Diocese de Juazeiro, assumida pelo primeiro bispo D. Tomás. Todos eles, norte-americanos, vieram da também, desafiosa missão do Amazonas, sendo eles: Pe. José Potter, Pe. Guilherme Fitzgerald, Pe. John Molner e o recém-nomeado Bispo Diocesano Don Tomás Guilherme Murphy. Depois de 12 anos de experiência de viagens no rio Amazonas, em uma reunião eles se fizeram a seguinte questão: como poderiam resolver a difícil viagem na selva e o estresse subsequente? Eles eram poucos para um território tão grande. Mas, na Constituição da Congregação dos redentoristas, em sua Seção Primeira item 4 diz: “Entre os grupos de pessoas que mais precisam de ajuda espiritual, eles (os Redentoristas) darão atenção especial aos pobres, necessitados e oprimidos. (Estatutos das Constituições nº 4 C.S.s.R).
O CONTEXTO
Ao chegarem em Sento-Sé: Pe. Bernardo Vam Haamissen CSSR. 1967-1973; Pe. Guilherme Fitz. CSSR (1970-1973) e Pe. Marc Charles Tillia Ord. Cist. (1970-2021), o Brasil era visto pelo exterior, como o “um gigante dormindo”. “É uma nação da juventude com uma diversidade impressionante”. No vale do São Francisco, na Bahia, quando os padres americanos chegaram “o gigante ainda parece adormecido. A frase na bandeira brasileira ‘Ordem e Progresso’ era ainda um sonho”, como expressado por padre Bernardo Hoomissen, em seu livro Asa Branca publicado em 1995, nos Estados Unidos.
O tempo passa, a juventude vai com ele. Permanece em nós a história, a memória. Em alguns até mesmo a memória desaparece, por isso é que devemos registrá-la para que aqueles que virão saibam o que fomos, quais foram nossas pegadas na terra. Registro aqui uma frase que vi no Facebook de Cileuza, quem cuidou de padre Marcos na sua fase de demência cerebral (mal de Alzheimer): “Corpos, mente e espaços se transformam, sejam pelo tempo, pelas doenças ou mesmo em nome do progresso que muitas vezes nunca chega. Assim aconteceu com nosso padre Marcos e o mesmo com a velha Sento-Sé”.
Em 1972, com o consentimento do Bispo Diocesano dom Tomás Guilherme Murphy, padre Marcos foi negociar com a congregação das Irmãs de Santa Maria, em Saint Louis, Missoury, donativos. Se no auge dos seus 40 anos de idade ele subia e descia as serras do vasto município de Sento-Sé no seu inesquecível Asa Branca e depois com o Cesna, aos 85 anos, mesmo cansado, com sua memória falhando ele buscava evangelizar com a alma e o coração. Sentado em uma cadeira de balanço, na varanda de sua casa, com irmã Stella, quando ainda viva (a mesma faleceu em janeiro de 2015), com vizinhos e com todos aqueles que chegavam apenas para lhe cumprimentar, ele os convidavam para rezar o terço, cumprindo assim sua missão: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”. (Marcos 16, 15). Padre Marcos, mesmo com sua fala atrapalhada, pois nunca aprendeu direito o português, buscou cumprir esta missão, da sua forma, do seu jeito desajeitado, sendo missionário, até sua morte, no silencio de seu próprio mundo, acometido pelo alzheimer.
Na região do vale do São Francisco, eles encontraram os resquícios de outras missões marcadas pela violência e injustiças pelo massacre aos nativos, nossa população indígena, assim como aos escravos fugitivos que aqui formaram seus quilombos e sempre foram invisibilizados. Os missionários Jesuítas que acompanhavam os bandeirantes e vinham desbravar os sertões em busca das riquezas minerais, principalmente ouro e diamantes, vendo os horrores praticados por estes, entravam em confronto com a sua desumanidade. Aqui os pobres não tinham direito ao título de terras, embora essas fossem vastas mas de um dono só. Era um sistema econômico do tipo escravista, não tinha escolas, porque filhos de pobres não era para estudar e sim trabalhar para os patrões. Não tinha hospitais, não tinha estradas e nem um sistema de comunicação. O que os novos missionários redentoristas mais ouviam em suas andanças pelo interior eram relatos de banditismo, como o de Lampião que aterrorizava os ricos. Era uma situação totalmente de opressão e abandono.
Uma das grandes obras de Pe. Bernardo, em Sento-Sé, foi a construção do Centro Social. O Centro Social São José servia como a casa das Irmãs de Santa Maria, que vieram dos Estados Unidos para a diocese, a convite de D. Tomás e servia também como clínica médica, onde as Irmãs atendiam a população desassistida de 1972-1976, até a mudança para a Nova Sento-Sé, com a construção da Barragem de Sobradinho. Era para o Centro Social que padre Marcos trazia os doentes do interior, a qualquer hora do dia ou da noite, em seu avião, para serem cuidados pelas irmãs. Outra ação fundamental de Pe. Bernardo foi sua participação na instalação do Colégio Cenecista, em Sento-Sé, criado em 1968.
Visto que o município era muito grande, Sento-Sé passou a ter três padres residentes, o que facilitou o trabalho de evangelização no município por meio das desobrigas pelo interior. Além de Pe. Bernardo e Pe. Marcos também, padre Guilherme Fitz, atuou em Sento-Sé de 1970 a 1973 quando foi para Juazeiro. Neste período, o principal meio de transporte para realização dessa missão era um jipão e depois o avião, primeiro o Asa Branca, com capacidade apenas para o piloto e uma pessoa, que atravessou o atlântico para pousar entre os bois, jegues e cabras nos povoados do interior e até mesmo na sede do município. Padre Bernardo costumava dizer que o jegue era amigo dos pilotos, assim como Luiz Gonzaga diz em sua música que o jumento é nosso irmão. Depois padre marcos comprou com donativos, outro avião, agora com capacidade para 5 pessoas e mais o piloto. Com uma agenda sempre marcada por celebrações e visitas, Padre Marcos definiu Sento-Sé como sua pátria. Ainda jovem, elegeu o céu azul do sertão como sua via principal para sua missão de evangelização nos diferentes povoados do município.
POR: EDONILCE DA ROCHA BARROS
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